(Com autorização do autor!)
Por que são alguns países tão ricos e outros tão pobres? A resposta parece óbvia, mas não o é assim tanto. Com efeito, não é pelas riquezas naturais que se mede o «valor» de um país, de uma nação, mas antes por determinados índices que vão sendo aferidos e afinados a cada ano ou ciclo que se cumpre.
Na capital da Tailândia, a maior parte dos agentes da polícia de trânsito contrai problemas no aparelho respiratório; por sua vez, os taxistas raramente podem prometer chegar a horas a um determinado destino, tal é o congestionamento de trânsito no dia a dia dessa cidade, verificando-se por vezes dificuldades da parte dos clientes, no interior dos táxis, quanto às chamadas necessidades básicas. Ou seja, urbanizando-se, os habitantes de Banguecoque tornaram-se ao mesmo tempo mais ricos e mais pobres que os seus ancestrais.
Não sabemos o que seria da Europa se o império romano se não tivesse desmoronado. Sabe-se que houve a diminuição da corpulência do gado vacum (passou, é certo a haver, durante muito tempo, estábulos menos organizados). Segundo outros, porém, a referida queda foi uma grande sorte, para a Europa, pois, além de acentuar a separação de poderes, descentrou autoridade e fez da fragmentação um nobre travão contra prepotências, evitando, por outro lado, fragilidades perante o exterior, pois se tornou menos provável, durante muito tempo, ferir de um só golpe.
A homeostasia, o pensamento único, ofusca o sentido teleológico das coisas, o que parece um paradoxo, deixando de o ser se atendermos ao facto «histórico» que preside à gestação das leis que sempre transportam logo consigo, ainda que de modo difuso, os próprios ingredientes da (sua) transgressão / liquidação que, mais tarde ou mais cedo, terá lugar. Se não tivermos isto em conta, corremos o risco de olhar, por exemplo, para a Holanda e ver principalmente moinhos de vento e diques a tomar conta dela e de nós.
Como a vida é feita de pequenos nadas, dir-se-á que a invenção dos óculos duplicou o tempo produtivo da vida de artesãos e de operadores ou agentes especializados em trabalhos de minúcia; a força hidráulica permitiu moer melhor o grão, pisoar o pano, modelar o metal, fabricar o papel; houve brado quando frère Jacques ficou dorminhoco e não tocou a matinas (daí a conhecida canção de roda).
As rotinas de trabalho e de lazer passaram há muito a ser determinadas pelo relógio, analógico ou digital. Há quem tenha por certo que o relógio constitui uma invenção com repercussões mais profundas e prolongadas do que as que ocorreram nas revoluções industriais propriamente ditas, ainda que o tempo «natural» continue a marcar presença.
Os relojoeiros estão no pioneirismo da engenharia mecânica, considerada enquanto rigor «à fracção de milímetro».
A Europa manteve o monopólio da fabricação de relógios fiáveis durante trezentos anos, até ao século XX, altura em que os japoneses ombrearam com os melhores fabricantes suíços.
Durante quinhentos anos, os grandes textos de tecnociência correram em caracteres árabes, o que não provocou, necessariamente, o acelerar da modernização nesses países. Os primeiros traficantes de escravos africanos eram também africanos que se iam apercebendo de que ao homem branco agradava «essa mercadoria».
Ao escravo acabou por ser concedido um dia livre por semana, fundamentalmente para melhor poder trabalhar, provendo sustento, colectando alimento para si.
Muitos índios das Américas, nus, se cortavam, sem querer, nas nuas espadas que, atónitos, agarravam das mãos do conquistador europeu, a cujas picardias só bem tarde foi dado o lugar competente, ainda que os portugueses, por exemplo, levassem frades e curas em todos os navios que se faziam ao mar, para o longo curso.
Ao saberem determinar a latitude (hoje à feição de um banal GPS), os portugueses dos séculos XV e XVI alçaram-se nos oceanos e no mundo, esboçando uma primeira ideia daquilo a que hoje chamamos globalização. Por outro lado, viram que o sol era só para uma parte do dia, pelo que, olhar bem era sinónimo de orientação nocturna sobre as águas, mansas ou agitadas – e lá está a estrela polar, à espera de ser olhada. Mesmo assim, a armada de Vasco da Gama regressou sem dois terços dos que, dois anos antes, haviam, em Lisboa, embarcado para… a Índia.
Os japoneses samurais usavam sempre duas espadas, uma longa e uma curta. Os chineses tinham por hábito usar não um relógio, mas dois, para o caso de um falhar. Porém, foi entre aqueles – e não nestes – que primeiro se operou a fabricação de qualidade.
Coexistiu, com o tempo do relógio (o tempo das horas iguais), o tempo natural da sequência do dia e da noite nas diversas estações do ano, o qual se repercutiu, numa fase de transição, na desigual divisão do mostrador do próprio relógio mecânico (um pouco à maneira do relógio solar).
Estar-nos-á destinada a nós, gente das escolas, perante dados que vão sendo lançados, a reinvenção das horas desiguais? Se assim for, poderemos, a nosso modo, contribuir não apenas para conter a despesa, mas para voltar a alçar Portugal no mundo. Oxalá!
Carlos Sambade
Publicado no Jornal da Escola Secundária da Maia, nº 2, em Maio de 2007
Na capital da Tailândia, a maior parte dos agentes da polícia de trânsito contrai problemas no aparelho respiratório; por sua vez, os taxistas raramente podem prometer chegar a horas a um determinado destino, tal é o congestionamento de trânsito no dia a dia dessa cidade, verificando-se por vezes dificuldades da parte dos clientes, no interior dos táxis, quanto às chamadas necessidades básicas. Ou seja, urbanizando-se, os habitantes de Banguecoque tornaram-se ao mesmo tempo mais ricos e mais pobres que os seus ancestrais.
Não sabemos o que seria da Europa se o império romano se não tivesse desmoronado. Sabe-se que houve a diminuição da corpulência do gado vacum (passou, é certo a haver, durante muito tempo, estábulos menos organizados). Segundo outros, porém, a referida queda foi uma grande sorte, para a Europa, pois, além de acentuar a separação de poderes, descentrou autoridade e fez da fragmentação um nobre travão contra prepotências, evitando, por outro lado, fragilidades perante o exterior, pois se tornou menos provável, durante muito tempo, ferir de um só golpe.
A homeostasia, o pensamento único, ofusca o sentido teleológico das coisas, o que parece um paradoxo, deixando de o ser se atendermos ao facto «histórico» que preside à gestação das leis que sempre transportam logo consigo, ainda que de modo difuso, os próprios ingredientes da (sua) transgressão / liquidação que, mais tarde ou mais cedo, terá lugar. Se não tivermos isto em conta, corremos o risco de olhar, por exemplo, para a Holanda e ver principalmente moinhos de vento e diques a tomar conta dela e de nós.
Como a vida é feita de pequenos nadas, dir-se-á que a invenção dos óculos duplicou o tempo produtivo da vida de artesãos e de operadores ou agentes especializados em trabalhos de minúcia; a força hidráulica permitiu moer melhor o grão, pisoar o pano, modelar o metal, fabricar o papel; houve brado quando frère Jacques ficou dorminhoco e não tocou a matinas (daí a conhecida canção de roda).
As rotinas de trabalho e de lazer passaram há muito a ser determinadas pelo relógio, analógico ou digital. Há quem tenha por certo que o relógio constitui uma invenção com repercussões mais profundas e prolongadas do que as que ocorreram nas revoluções industriais propriamente ditas, ainda que o tempo «natural» continue a marcar presença.
Os relojoeiros estão no pioneirismo da engenharia mecânica, considerada enquanto rigor «à fracção de milímetro».
A Europa manteve o monopólio da fabricação de relógios fiáveis durante trezentos anos, até ao século XX, altura em que os japoneses ombrearam com os melhores fabricantes suíços.
Durante quinhentos anos, os grandes textos de tecnociência correram em caracteres árabes, o que não provocou, necessariamente, o acelerar da modernização nesses países. Os primeiros traficantes de escravos africanos eram também africanos que se iam apercebendo de que ao homem branco agradava «essa mercadoria».
Ao escravo acabou por ser concedido um dia livre por semana, fundamentalmente para melhor poder trabalhar, provendo sustento, colectando alimento para si.
Muitos índios das Américas, nus, se cortavam, sem querer, nas nuas espadas que, atónitos, agarravam das mãos do conquistador europeu, a cujas picardias só bem tarde foi dado o lugar competente, ainda que os portugueses, por exemplo, levassem frades e curas em todos os navios que se faziam ao mar, para o longo curso.
Ao saberem determinar a latitude (hoje à feição de um banal GPS), os portugueses dos séculos XV e XVI alçaram-se nos oceanos e no mundo, esboçando uma primeira ideia daquilo a que hoje chamamos globalização. Por outro lado, viram que o sol era só para uma parte do dia, pelo que, olhar bem era sinónimo de orientação nocturna sobre as águas, mansas ou agitadas – e lá está a estrela polar, à espera de ser olhada. Mesmo assim, a armada de Vasco da Gama regressou sem dois terços dos que, dois anos antes, haviam, em Lisboa, embarcado para… a Índia.
Os japoneses samurais usavam sempre duas espadas, uma longa e uma curta. Os chineses tinham por hábito usar não um relógio, mas dois, para o caso de um falhar. Porém, foi entre aqueles – e não nestes – que primeiro se operou a fabricação de qualidade.
Coexistiu, com o tempo do relógio (o tempo das horas iguais), o tempo natural da sequência do dia e da noite nas diversas estações do ano, o qual se repercutiu, numa fase de transição, na desigual divisão do mostrador do próprio relógio mecânico (um pouco à maneira do relógio solar).
Estar-nos-á destinada a nós, gente das escolas, perante dados que vão sendo lançados, a reinvenção das horas desiguais? Se assim for, poderemos, a nosso modo, contribuir não apenas para conter a despesa, mas para voltar a alçar Portugal no mundo. Oxalá!
Carlos Sambade
Publicado no Jornal da Escola Secundária da Maia, nº 2, em Maio de 2007
2 comentários:
N.B. Este texto assenta no grosso tomo, editado pela Gradiva, há alguns anos, cujo título é mais ou menos este (cito de memória): A Pobreza e a Riqueza das Nações. Foi elaborado em Dezembro de 2006. No jornal em que está publicado, a referência à obra de base está expressa. Aqui não seguiu por lapso do copy-past...
Carlos Sambade
Ainda vai a tempo (basta observar no Editar): Paste (de cola), e não Past (de passado). Com os erros tb. se aprende - e q.do somos nós a dar com eles melhor. Durante muito tempo cometi alguns: não sei se o hades, na vez do hás-de, mas um que escrevi foi um tempo, não recordo qual, do verbo dormir, com u, na vez do o; outro foi o ombrear, em vez de hombrear (ainda estou renitente, e aguardo uma lei que faça cair, aqui, o h). Do houveram estive sempre livre. Tb. houve uma altura em que dizia, por vezes, obrigada, e não obrigado. Ora cá está um currículo oculto que nunca me poderia levar a presidente de qualquer coisa. Desocultando-o, já nem o manto de franciscano me assenta (a não ser q.do morto). «Tou nu» (mas em casa e no-verão-sem-ninguém-por-perto) - é que o presidente dos incêndios vai para candidato à CML, obrigando um alto juíz a cair em ministro e antecipando o solstício.
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