quinta-feira, 17 de maio de 2007

A dissolução do eu

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A dissolução do eu está de certo modo presente nas grandes máximas que, no Ocidente (deixemos o Oriente para outra ocasião), desde o século XVIII, se foram consagrando como bandeiras de milhões que nelas acredita(ra)m.
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A Liberdade-Igualdade-Fraternidade descambou, desde os primórdios, no aperfeiçoamento das técnicas de morrer de morte matada. Porém, como houve santos laicos, ressuscitou no Maio de 68, no Abril de 74 e, paradoxalmente, nas eleições presidenciais em França (mesmo perante os resultados).
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Os pioneiros do novo mundo viram-se embrulhados, pelos seus netos, em impulsos medievalescos, sem nobreza de espada.
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Do «Proletários de todos os países, uni-vos», ficará o belo hino «A Internacional», ressaca e museologia.
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A que pode um «desgraçado» de um professor, arregimentado para a famosa qualificação dos portugueses, agarrar-se? Evidentemente, a nada de ideologias como sucedâneo das religiões.
António Nóvoa, reitor em Lisboa e que tem uma costela do grande e ignorado (nas escolas) Alberto Sampaio, disse, num Congresso recente de uma federação de professores sindicalizados: “Falo-vos de dentro, sem assim possuir uma identidade que não tenho. Falo-vos de um dentro solidário, mas adoptando um ponto de vista externo (um olhar exterior que não vale mais que os olhares interiores, mas que é outro e que, por isso mesmo, estimula a conversa e o diálogo)” – ora cá está um ponto de vista a ter em conta.
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Uma outra entrada possível é a da Carga Simbólica. Vejamos: a reforma do ensino técnico que arrancou com legislação de 1948 e foi pelos anos 50 XX fora, retirou o Desenho da cabeça das pautas e colocou lá o Português, não sem que alguns manifestassem desagrado, com vi em actas, a que tive acesso, numa centenária escola do Porto - no pós-guerra, justifica-se toda a força ao humanismo sem mediação, por assim dizer (e os homens do projecto europeu, e os que se iam nele embrenhando estavam, muitos deles, com as mãos sujas dos maquinismos bélicos). Ora, «num continente de paz», justifica-se agora erguer, à cabeça das pautas, não o Desenho (que é, hoje, uma ferramenta na base do CAD), mas a velhinha Matemática, mais antiga que a Língua Portuguesa, tirando-a das teias a que, estranhos que nela se entranham, porventura a remetem. Que, em todos os cursos, seja decretada a Matemática à cabeça das pautas, eis a grande recomendação simbólica que me permito fazer. Nada melhor para responsabilizar os respectivos professores que dirão: algo se passa, agora sim. Permanecem dificuldades: há equações “impossíveis” («conjuntos vazios») e, nas possíveis, ainda há as indeterminadas, em que «todos os números são solução» - grande Matemática, que nos faz, só por isto, estremecer ... e dá que pensar (falta o zero?).
Carlos Sambade
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1 comentário:

Anónimo disse...

Para não se cair na redundância, poder-se-ia ter colocado, como título, o popular Um, Dois, Três de Oliveira Quatro. Por outro lado, não se abordaram outras vertentes do tema (dissolução do eu), entre as quais a emblemática Pobreza, Obediência e Castidade, ou por falta de preparação ou por manifesto desinteresse do público de hoje, segundo uma leitura mediana e plausível da realidade. Com efeito, dificilmente a pobreza pode ser cultivada (há o risco de se morrer à fome), a obediência enobrecida (perante elites que deixam muito a adivinhar) e a castidade eleita como instrumento de trabalho (derivado às alterações do dinâmico clima, entendendo-se este como a média das condições presentes em intervalos de tempo de trinta anos).