quarta-feira, 30 de maio de 2007

Docimologia - notas breves

Quem se começar a interessar por esta temática esbarra, nos últimos cinquenta anos, com abordagens as mais díspares, confluindo, todavia, na procura de rigor, ou melhor, na absoluta aproximação a não criar discrepância que redunde em injustiça.
Passados que são trinta anos de moer e remoer, deitam-se muitos desses trabalhos não ao lixo, mas à sorte do esquecimento. Ponderando tudo isso, proponho,simplificando para melhor se matematizar o esquema na memória colectiva, e com base no sistema decimal (que tomou força oficial, em Portugal, já no século XIX):
1. Nenhuma prova que configure exame, no sentido tradicional, deve durar mais de cem minutos efectivos;
2. Nenhuma prova deve ter mais de dez questões;
3. Deve haver diferentes graus de dificuldade nas questões propostas, porém, todas devem valer o mesmo - parecendo isto um factor de distorção e incongruência, ou, se quiserem, uma aberração, estou convicto que é o que falta, em termos de golpe de asa, para tornar o assunto mais atractivo (o povo gosta de jogo).
4. Se o aluno, o formando ou o aprendiz se recusar a fazer seja o que for, deve o responsável ir junto dele e fazer um rabisco qualquer (assinalando, assinando junto), para o estimular - isto, que agora é um «crime» e daria processo disciplinar, um dia será prática corrente.
Ousar vencer (n)os exames não é fácil - porém, quando não se ousa, antes se atrapalha, marca-se passo e compasso, se é que não se (a)recua.
N.B. Declaro que há anos que não corrigo provas de exame convencional e que, se o tivesse de fazer agora, cumpriria com lealdade as regras em uso.
Carlos Sambade

domingo, 27 de maio de 2007

Os CE e o ME - estranhas relações

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Os CE (Conselhos Executivos) são, notoriamente, cúmplices do ME (Ministério da Educação) e da Ministra. Não há encontro conjunto que não reflicta isso. Confesso que me perturba. Eu sei que sou crítico, por vezes até maledicente, e se calhar não devia.
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Terei mais razões que outros para ser próximo – já trabalhei com a Sra. Ministra, durante algumas horas, e apreciei a forma como ela se coloca, nessas sessões, ouvindo, respeitando e parecendo considerar o que os restantes participantes pensam e afirmam, muitas vezes em tom contestatário. Mostra-se inflexível, argumenta, defende com veemência as suas posições. No entanto, transparece a ideia de que escuta e regista.
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Aceito que uma coisa é essa imagem projectada e outra como (não) processa o que regista(rá?). Mas mantém a imagem com coerência. Sempre que nos cruzámos, depois daquelas horas de reunião, cumprimenta e tem palavras de curiosa simpatia.
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Já os outros poderiam ter postura diferente, mais belicosa, conflitual ou de rejeição de uma parte significativa das medidas tomadas, que não ajudam à nossa função primeira, de gerir as Escolas procurando conseguir aprendizagens de qualidade.
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Porque não pretendo ser exaustivo, dou apenas alguns exemplos de decisões confrangedoras (pelo menos, eu assim considero):
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Aulas de apoio e concepção de actividade lectiva – para mim, não há distinção entre ambas, o que os Professores fazem, quando apoiam um grupo restrito de Alunos que revelam dificuldades de aprendizagem, na maior parte do caso seus Alunos curriculares, é componente lectiva, não tem outro enquadramento; também é notório, para mim, que o novo ECD (Estatuto da Carreira Docente) acaba com a “dívida” do Professores para com o ME, no que se refere à diferença entre as antigas aulas de 50’ e os actuais tempos de 45’. Veremos, na definição das regras e procedimentos para o próximo ano lectivo, se o ME também assim considera. Palpita-me que vai “esquecer” a necessária clarificação.
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Fim das cíclicas, no final do primeiro período, impossibilidade de prolongar o vínculo com os contratados no tempo, de acrescentar horas aos Professores contratados e de renovar, no ano lectivo seguinte (princípio da continuidade atingido), os contratos destes Professores quando não são completos – tudo a aumentar a burocracia e a reduzir o tempo de aprendizagens para os Alunos.
As cíclicas respondem mais rápido e mais eficazmente que a oferta de Escola. Se ainda há Professores por colocar, não tem sentido passar para a Escola a responsabilidade de escolher o docente. Sei que, com esta fórmula (cíclicas), a autonomia das Escolas é afastada – mas o ganho em tempo sempre compensaria e, não esqueçamos, foi um pedido reiterado pelos CE em todas as reuniões com a equipa ministerial, antes das cíclicas terminarem.
Temos um contratado a substituir uma colega em licença por maternidade (exemplificando); terminado o período em causa, se a substituída apresentar um atestado por 30 dias, não podemos renovar o contrato por esse período, temos que colocar o horário em concurso – um desperdício!
Também a necessidade que as Escolas vão tendo de atribuir 2, 3 ou 4 horas mais a um Professor (normalmente, um contratado tem a possibilidade de as receber) é recorrente. Com as instruções recebidas, se há duas horas para atribuir, temos sempre que as colocar em concurso. Um absurdo!
Um contratado tem um horário de 18h ou 20h. Não podemos renová-lo, ainda que a necessidade, no ano seguinte, sejam essas 18h ou 20h. Só o podemos fazer se for completo. Uma estupidez. Se for completo, este sim, deveria ser colocado a concurso, deveria ser para quem pretende entrar no sistema.
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Podia continuar, mas fico-me por aqui. Porque também há o reverso da medalha, novas regras que respondem aos anseios do Conselhos Executivos, vou deixar estas para uma próxima vez.
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quarta-feira, 23 de maio de 2007

O intolerável continua a ser admissível?

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Sobre este assunto, é melhor ser comedido. É o que deve fazer quem

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Analisa matérias que até pode dominar;
Aprecia assunto que desconhece;
Entra nos estranhos terrenos da “partidarite”, que a vida foi descascando;
Assume, por princípio, não julgar os outros pela prática de um acto, ainda menos quando nem sequer tem a certeza da real existência desse acto.

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Por outro lado,
Conhece uma prática nova, não obstante já repetida;
Não regista exemplo de coragem pessoal;
Observa, sem dúvida, vontade em alcançar mais do que foi solicitado;
Anota a constante vitimização, face a todos os outros;
Ouve discursos que culpabilizam, sempre, aqueles com quem se trabalha;
E constata que a estratégia do conflito não abranda, sequer.

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Ainda,
Gosta de opinar;
Sente a profissão e os colegas;
Está cansado de servir de almofada;
Não entende o raciocínio de quem está na tutela;
Prefere falar a calar;
E, à semelhança doutros, que também o vão dizendo, não está para tolerar o intolerável.
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Concretizo: sei lá o que fez ou disse o homem! Sei que devia cuidar do que diz, como todos o devemos fazer. O que se não pode é confundir declarações jocosas (que o Direito considera irrelevantes) com a prática de ilícito disciplinar e, neste caso concreto, criminal – porque o caso foi comunicado ao Ministério Público. Alguém exagera no que diz, ou minimizando, de forma impossível, para se desculpar, ou amplificando sem regra, para justificar uma acção.

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Sei que a militância partidária potencia a estupidez – vejo isso com muita regularidade. O militante típico considera-se melhor que os outros e, sobretudo, melhor que os do outro partido. Neste caso, esta característica pode estar presente. O meu problema é que não sei se está ou onde, por desconhecer os factos.

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Sei o que cada um deve fazer na relação com o outro: deve começar por respeitá-lo. Deve desculpar a primeira asneira, se não for grave. Deve ser claro, quanto às regras que existem, essencialmente se as ditou. E deve medir, sempre, as consequências dos seus actos, antes de agir.

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Ora, também sei que afastar pessoas que incomodam é uma forma de agir, quando há poder, independentemente da qualidade pessoal ou profissional daquelas – basta ver as exonerações e as nomeações, vulgo dança das cadeiras, quando muda a chefia. Isso, pessoalmente, não me agrada.

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Não é a primeira vez que se recorre ao Ministério Público, para passar a responsabilidade. Acusar alguém de um crime, não se provando que ele existiu é, em si mesmo, um acto criminoso. Deduzo que comunicar um facto não seja qualificável da mesma forma. Não, não me agrada.

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Sempre que a decisão tem que acontecer e é custosa, em termos de opinião pública (não dos afectados, que não contam), é “chutada” para os outros. Nunca as Escolas, ou as suas Assembleias, tomaram tantas decisões sobre a sua existência ou o seu futuro. Isto, assim, de repente, não me agrada.

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Tenho reparado (acho que temos todos) que o que se alcança, nos resultados mais angustiantes para as pessoas, tem sido, regularmente, em dimensão muito superior ao que se esperava – muitíssimo mais do que os parceiros conseguem, noutras regiões! Hum, continua a não me agradar.

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Já o discurso entra, regularmente, pela incompreensão dos outros, os sacrifícios que são feitos em prol dos ingratos, que respondem sempre de forma agressiva e injustificada, com manifestações ou greves, que são empoladas por quem está sempre pronto a atacar as bondosas almas que gerem os destinos alheios! Até percebo isto, estou fartinho de levar com estes agentes divulgadores da culpa (nunca lobrigada nos próprios). É, não me agrada nada, também.

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Aprendi, há já alguns anos, a importância dos conflitos para iniciar processos de mudança. Descobri que não funcionam muito bem para continuar esses processos. Tenho a certeza que, a manterem-se em níveis elevados, acabam por destruir todas as virtualidades que poderiam ser atingidas, com a mudança pretendida.

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A Escola Pública mudou. Já senti a melhoria que essa mudança proporcionou. Começo a sentir que isto pode vir a acabar mal. Isso não me agrada, mas não me agrada mesmo nada.
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quinta-feira, 17 de maio de 2007

A dissolução do eu

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A dissolução do eu está de certo modo presente nas grandes máximas que, no Ocidente (deixemos o Oriente para outra ocasião), desde o século XVIII, se foram consagrando como bandeiras de milhões que nelas acredita(ra)m.
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A Liberdade-Igualdade-Fraternidade descambou, desde os primórdios, no aperfeiçoamento das técnicas de morrer de morte matada. Porém, como houve santos laicos, ressuscitou no Maio de 68, no Abril de 74 e, paradoxalmente, nas eleições presidenciais em França (mesmo perante os resultados).
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Os pioneiros do novo mundo viram-se embrulhados, pelos seus netos, em impulsos medievalescos, sem nobreza de espada.
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Do «Proletários de todos os países, uni-vos», ficará o belo hino «A Internacional», ressaca e museologia.
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A que pode um «desgraçado» de um professor, arregimentado para a famosa qualificação dos portugueses, agarrar-se? Evidentemente, a nada de ideologias como sucedâneo das religiões.
António Nóvoa, reitor em Lisboa e que tem uma costela do grande e ignorado (nas escolas) Alberto Sampaio, disse, num Congresso recente de uma federação de professores sindicalizados: “Falo-vos de dentro, sem assim possuir uma identidade que não tenho. Falo-vos de um dentro solidário, mas adoptando um ponto de vista externo (um olhar exterior que não vale mais que os olhares interiores, mas que é outro e que, por isso mesmo, estimula a conversa e o diálogo)” – ora cá está um ponto de vista a ter em conta.
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Uma outra entrada possível é a da Carga Simbólica. Vejamos: a reforma do ensino técnico que arrancou com legislação de 1948 e foi pelos anos 50 XX fora, retirou o Desenho da cabeça das pautas e colocou lá o Português, não sem que alguns manifestassem desagrado, com vi em actas, a que tive acesso, numa centenária escola do Porto - no pós-guerra, justifica-se toda a força ao humanismo sem mediação, por assim dizer (e os homens do projecto europeu, e os que se iam nele embrenhando estavam, muitos deles, com as mãos sujas dos maquinismos bélicos). Ora, «num continente de paz», justifica-se agora erguer, à cabeça das pautas, não o Desenho (que é, hoje, uma ferramenta na base do CAD), mas a velhinha Matemática, mais antiga que a Língua Portuguesa, tirando-a das teias a que, estranhos que nela se entranham, porventura a remetem. Que, em todos os cursos, seja decretada a Matemática à cabeça das pautas, eis a grande recomendação simbólica que me permito fazer. Nada melhor para responsabilizar os respectivos professores que dirão: algo se passa, agora sim. Permanecem dificuldades: há equações “impossíveis” («conjuntos vazios») e, nas possíveis, ainda há as indeterminadas, em que «todos os números são solução» - grande Matemática, que nos faz, só por isto, estremecer ... e dá que pensar (falta o zero?).
Carlos Sambade
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domingo, 13 de maio de 2007

Correntes do tempo

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Vivemos um tempo estranho; a Escola é alvo preferencial de todos os ataques, venham de onde vierem. Tudo é responsabilidade da Escola. Agora aponta-se o dedo por causa da taxa de desemprego. Se o desemprego sobe, se aumenta o número de pessoas que não conseguem encontrar emprego, a culpa é da Escola. Porque não preparou as pessoas para o mundo do trabalho, para a mobilidade ou para o empreendorismo. Porque não lhes faculta a formação profissional exigida pelas empresas. Porque não lhes fornece resposta para a reciclagem de competências profissionais. Porque não lhes dá instrumentos para assumir o seu futuro.
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As afrontas chegam da tutela, mais das DRE (Direcções Regionais de Educação) do que do Ministério, da opinião pública, sobretudo dos fazedores da dita, que aparentam ser uma mão cheia de auto-formados, e da população, que está em fase de abstinência no que respeita ao assumir de responsabilidades.

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Já a estrutura educacional, com uma organização(?) cada vez mais caótica, anda, aparentemente, sem rumo: são as Escolas que fecham sem existirem melhores opções, as que se juntam sem cuidar da qualidade ou do que dali decorre, e as que são remodeladas, sem critério visível.
Aceito qualquer das decisões referidas: feche-se uma Escola que já não responde às necessidades ou não tem condições adequadas - mas só se existir uma outra, melhor apetrechada e situada.
Juntem-se Escolas contíguas, com potenciais ou íntimas ligações - mas só se essa junção não produzir efeitos de nivelamento pelo pior dos ambientes ou pelas mais negativas condições de aprendizagem.
Por último, remodele-se uma Escola - mas construa-se uma organização integrada e coerente, onde a qualidade seja um dos resultados expectáveis.
Ah, e não esqueçam, ainda que isso implique custos políticos: divulguem a medida com antecedência, de forma a preparar as mudanças (sempre radicais) decorrentes.

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Do abandono absoluto da formação profissional, que destruiu as Escolas Comerciais e Industriais, passamos agora para a intenção declarada do oposto, que pressupõe a passagem forçada para Cursos de cariz profissional de uma parte significativa dos nossos jovens, com ou sem vontade para tal - e a maioria, com os pais ao lado, não está minimamente interessada nisso.

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A motivação assenta nas necessidades do mundo do trabalho, do combate ao desemprego, da formação dirigida à vida activa. Pede-se à Escolas que façam, desde já, um esforço especial para atingirem esse desiderato, para colmatarem as deficiências que empurram tantos para a inactividade.
Mas este é, e será sempre, um esforço inglório. Porque os responsáveis pelo país não dizem que é a própria organização económica que cria a realidade do desemprego e a quer manter, calam a certeza da manutenção de elevados níveis de desemprego futuro, também pelas constantes mudanças económicas e sociais que caracterizam o tempo presente, e escondem que o sistema, sobretudo o internacional, alarga, aprofunda e perpetua as diferenças e cada vez se preocupa menos com a redistribuição da riqueza, sendo notório que os ricos cada vez têm mais e são menos, e os pobres cada vez são mais, tendo menos.

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De facto, a Escola é, como sempre foi, o principal instrumento de propaganda de integração, de reprodução social, de manutenção do "status quo". Compete-lhe trabalhar valores e princípios que sustentem a organização social vigente e que se assumam como primeira barreira contra alternativas nesta área, sejam as existentes, sejam as que possam emergir. Actua, neste campo, em resposta ao solicitado pelos detentores do poder, sobretudo o de cariz internacional, que releva no presente.
Esta é uma missão que a Escola concretiza muito bem - e muitas vezes sem que os seus principais agentes (os Professores) a reconheçam ou sintam, sequer.

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Por acaso, mas só por acaso, a organização social que a Escola defende, hoje, assenta nos valores e princípios da democracia e do estado de direito. Mas aquela é servida por actores cada vez menos genuínos, que afastam as pessoas da decisão, e este esquece a vertente social, permitindo a perversidade decorrente do aprofundar da desigualdade social, e nada faz para garantir, a todos, o acesso aos bens fundamentais, que suportam a dignidade humana.
A vontade de servir o mundo empresarial é tão forte que até se esquecem da missão de democratizar a democracia e de consciencializar o Estado. A continuar assim, em breve a Escola será a culpada da agonia do sistema (social, político e económico). O que até será verdade ...

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Só mais duas coisinhas:
Nunca esta representação foi tão actual, sendo tão velha:
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E um especial abraço de boas vindas ao Carlos Sambade, na publicação que antecede esta, ainda que chegue pela mão do João. Parece mesmo ComTradição.
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sábado, 12 de maio de 2007

Pequenos nadas



(Com autorização do autor!)

Por que são alguns países tão ricos e outros tão pobres? A resposta parece óbvia, mas não o é assim tanto. Com efeito, não é pelas riquezas naturais que se mede o «valor» de um país, de uma nação, mas antes por determinados índices que vão sendo aferidos e afinados a cada ano ou ciclo que se cumpre.
Na capital da Tailândia, a maior parte dos agentes da polícia de trânsito contrai problemas no aparelho respiratório; por sua vez, os taxistas raramente podem prometer chegar a horas a um determinado destino, tal é o congestionamento de trânsito no dia a dia dessa cidade, verificando-se por vezes dificuldades da parte dos clientes, no interior dos táxis, quanto às chamadas necessidades básicas. Ou seja, urbanizando-se, os habitantes de Banguecoque tornaram-se ao mesmo tempo mais ricos e mais pobres que os seus ancestrais.
Não sabemos o que seria da Europa se o império romano se não tivesse desmoronado. Sabe-se que houve a diminuição da corpulência do gado vacum (passou, é certo a haver, durante muito tempo, estábulos menos organizados). Segundo outros, porém, a referida queda foi uma grande sorte, para a Europa, pois, além de acentuar a separação de poderes, descentrou autoridade e fez da fragmentação um nobre travão contra prepotências, evitando, por outro lado, fragilidades perante o exterior, pois se tornou menos provável, durante muito tempo, ferir de um só golpe.
A homeostasia, o pensamento único, ofusca o sentido teleológico das coisas, o que parece um paradoxo, deixando de o ser se atendermos ao facto «histórico» que preside à gestação das leis que sempre transportam logo consigo, ainda que de modo difuso, os próprios ingredientes da (sua) transgressão / liquidação que, mais tarde ou mais cedo, terá lugar. Se não tivermos isto em conta, corremos o risco de olhar, por exemplo, para a Holanda e ver principalmente moinhos de vento e diques a tomar conta dela e de nós.
Como a vida é feita de pequenos nadas, dir-se-á que a invenção dos óculos duplicou o tempo produtivo da vida de artesãos e de operadores ou agentes especializados em trabalhos de minúcia; a força hidráulica permitiu moer melhor o grão, pisoar o pano, modelar o metal, fabricar o papel; houve brado quando frère Jacques ficou dorminhoco e não tocou a matinas (daí a conhecida canção de roda).
As rotinas de trabalho e de lazer passaram há muito a ser determinadas pelo relógio, analógico ou digital. Há quem tenha por certo que o relógio constitui uma invenção com repercussões mais profundas e prolongadas do que as que ocorreram nas revoluções industriais propriamente ditas, ainda que o tempo «natural» continue a marcar presença.
Os relojoeiros estão no pioneirismo da engenharia mecânica, considerada enquanto rigor «à fracção de milímetro».
A Europa manteve o monopólio da fabricação de relógios fiáveis durante trezentos anos, até ao século XX, altura em que os japoneses ombrearam com os melhores fabricantes suíços.
Durante quinhentos anos, os grandes textos de tecnociência correram em caracteres árabes, o que não provocou, necessariamente, o acelerar da modernização nesses países. Os primeiros traficantes de escravos africanos eram também africanos que se iam apercebendo de que ao homem branco agradava «essa mercadoria».
Ao escravo acabou por ser concedido um dia livre por semana, fundamentalmente para melhor poder trabalhar, provendo sustento, colectando alimento para si.
Muitos índios das Américas, nus, se cortavam, sem querer, nas nuas espadas que, atónitos, agarravam das mãos do conquistador europeu, a cujas picardias só bem tarde foi dado o lugar competente, ainda que os portugueses, por exemplo, levassem frades e curas em todos os navios que se faziam ao mar, para o longo curso.
Ao saberem determinar a latitude (hoje à feição de um banal GPS), os portugueses dos séculos XV e XVI alçaram-se nos oceanos e no mundo, esboçando uma primeira ideia daquilo a que hoje chamamos globalização. Por outro lado, viram que o sol era só para uma parte do dia, pelo que, olhar bem era sinónimo de orientação nocturna sobre as águas, mansas ou agitadas – e lá está a estrela polar, à espera de ser olhada. Mesmo assim, a armada de Vasco da Gama regressou sem dois terços dos que, dois anos antes, haviam, em Lisboa, embarcado para… a Índia.
Os japoneses samurais usavam sempre duas espadas, uma longa e uma curta. Os chineses tinham por hábito usar não um relógio, mas dois, para o caso de um falhar. Porém, foi entre aqueles – e não nestes – que primeiro se operou a fabricação de qualidade.
Coexistiu, com o tempo do relógio (o tempo das horas iguais), o tempo natural da sequência do dia e da noite nas diversas estações do ano, o qual se repercutiu, numa fase de transição, na desigual divisão do mostrador do próprio relógio mecânico (um pouco à maneira do relógio solar).
Estar-nos-á destinada a nós, gente das escolas, perante dados que vão sendo lançados, a reinvenção das horas desiguais? Se assim for, poderemos, a nosso modo, contribuir não apenas para conter a despesa, mas para voltar a alçar Portugal no mundo. Oxalá!

Carlos Sambade
Publicado no Jornal da Escola Secundária da Maia, nº 2, em Maio de 2007

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Amizades enobrecedoras

Não somos suficientemente humildes, no que dizemos ou fazemos, porque somos seres limitados. Na visão, na compreensão, na memória.
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Já escrevi o que penso das amizades, entre meros conhecidos e íntimos amantes. Afirmei ter um punhado de amigos, muito menos amantes e muitos, muitos conhecidos. Depois, ao enumerar os primeiros, descobri que eram bem mais do que pensava - e publiquei a silhueta de (quase) todos.
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Quase, porque esqueci de nomear (pelo menos) um deles, de quem me afirmo amigo e de quem ouso esperar recíproco carinho.
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É meu costume não publicar fotos de quem me é chegado. No caso vertente, atrevo-me a alterar esta forma de estar, pois refiro-me a uma pessoa que é notoriamente pública e cuja imagem está já, plenamente, difundida.
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.Falo de D. António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro, e publico aqui excertos de uma entrevista que deu e foi publicada no jornal "O Aveiro". Sublinho passagens que nos são comuns, como o ensino (fomos colegas em projecto tutelado pelo Ministério da Educação e coordenado por Catalina Pestana, o Projecto Viva a Escola, nos idos anos 90) e a sua sagração (espero que este termo seja o correcto) como Bispo de Aveiro.
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D. António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro
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O que esteve na base da sua decisão (ser padre)?
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A minha família era muito cristã e tinha uma grande vertente religiosa. Recebi essa experiência de vida cristã desde criança, no lar. O que me despertou o desejo de ser padre foi a existência de outros seminaristas na minha terra e a presença muito próxima de um sacerdote velhinho de uma aldeia vizinha que vinha periodicamente celebrar à minha aldeia. Vinha frequentemente a minha casa tomar o pequeno almoço com o meu avô e era um espírito de bondade, dedicação, experiência e respeito. O que mais me impressionou foi o que imprimia em nós como testemunho de bondade. Encontrei sempre nele alguém que acreditou que eu ia ser padre.
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Nas horas vagas gosta de…
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Gosto de ler. Leio habitualmente os jornais, diários e semanários, de dimensão nacional e local, e os semanários das dioceses para ver o pulsar das outras igrejas portuguesas. Quando tenho mais tempo, leio livros permanentes, sobretudo de valorização teológica e pastoral. Tenho algumas saudades académicas dos tempos de professor de filosofia e sociologia e procuro deliciar-me também com os livros de âmbito filosófico.
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Notas biográficas
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D. António Francisco dos Santos nasceu a 29 de Agosto de 1948 em Tendais, concelho de Cinfães, Diocese de Lamego.

Entre 1986 e 1991 desempenhou o cargo de vice-reitor do Seminário de Lamego e nos cinco anos seguintes foi Vigário Episcopal do clero e assistente da Pastoral Universitária. Em 1996 foi nomeado Pró-Vigário Geral de Lamego.
Nomeado bispo auxiliar de Braga a 21 de Dezembro de 2004 e, a 19 de Março de 2005, recebe a ordenação episcopal.
Tomou posse no dia 8 de Dezembro de 2006 como novo Bispo de Aveiro.
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Eu estive presente, na companhia de amigos comuns. Foi um dos momentos mais importantes da minha vida, sustentado na excepcional vida de outro. Obrigado D. António, por me ter permitido conhecê-lo. Bem haja e haja tempo para continuar.
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