domingo, 13 de maio de 2007

Correntes do tempo

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Vivemos um tempo estranho; a Escola é alvo preferencial de todos os ataques, venham de onde vierem. Tudo é responsabilidade da Escola. Agora aponta-se o dedo por causa da taxa de desemprego. Se o desemprego sobe, se aumenta o número de pessoas que não conseguem encontrar emprego, a culpa é da Escola. Porque não preparou as pessoas para o mundo do trabalho, para a mobilidade ou para o empreendorismo. Porque não lhes faculta a formação profissional exigida pelas empresas. Porque não lhes fornece resposta para a reciclagem de competências profissionais. Porque não lhes dá instrumentos para assumir o seu futuro.
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As afrontas chegam da tutela, mais das DRE (Direcções Regionais de Educação) do que do Ministério, da opinião pública, sobretudo dos fazedores da dita, que aparentam ser uma mão cheia de auto-formados, e da população, que está em fase de abstinência no que respeita ao assumir de responsabilidades.

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Já a estrutura educacional, com uma organização(?) cada vez mais caótica, anda, aparentemente, sem rumo: são as Escolas que fecham sem existirem melhores opções, as que se juntam sem cuidar da qualidade ou do que dali decorre, e as que são remodeladas, sem critério visível.
Aceito qualquer das decisões referidas: feche-se uma Escola que já não responde às necessidades ou não tem condições adequadas - mas só se existir uma outra, melhor apetrechada e situada.
Juntem-se Escolas contíguas, com potenciais ou íntimas ligações - mas só se essa junção não produzir efeitos de nivelamento pelo pior dos ambientes ou pelas mais negativas condições de aprendizagem.
Por último, remodele-se uma Escola - mas construa-se uma organização integrada e coerente, onde a qualidade seja um dos resultados expectáveis.
Ah, e não esqueçam, ainda que isso implique custos políticos: divulguem a medida com antecedência, de forma a preparar as mudanças (sempre radicais) decorrentes.

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Do abandono absoluto da formação profissional, que destruiu as Escolas Comerciais e Industriais, passamos agora para a intenção declarada do oposto, que pressupõe a passagem forçada para Cursos de cariz profissional de uma parte significativa dos nossos jovens, com ou sem vontade para tal - e a maioria, com os pais ao lado, não está minimamente interessada nisso.

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A motivação assenta nas necessidades do mundo do trabalho, do combate ao desemprego, da formação dirigida à vida activa. Pede-se à Escolas que façam, desde já, um esforço especial para atingirem esse desiderato, para colmatarem as deficiências que empurram tantos para a inactividade.
Mas este é, e será sempre, um esforço inglório. Porque os responsáveis pelo país não dizem que é a própria organização económica que cria a realidade do desemprego e a quer manter, calam a certeza da manutenção de elevados níveis de desemprego futuro, também pelas constantes mudanças económicas e sociais que caracterizam o tempo presente, e escondem que o sistema, sobretudo o internacional, alarga, aprofunda e perpetua as diferenças e cada vez se preocupa menos com a redistribuição da riqueza, sendo notório que os ricos cada vez têm mais e são menos, e os pobres cada vez são mais, tendo menos.

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De facto, a Escola é, como sempre foi, o principal instrumento de propaganda de integração, de reprodução social, de manutenção do "status quo". Compete-lhe trabalhar valores e princípios que sustentem a organização social vigente e que se assumam como primeira barreira contra alternativas nesta área, sejam as existentes, sejam as que possam emergir. Actua, neste campo, em resposta ao solicitado pelos detentores do poder, sobretudo o de cariz internacional, que releva no presente.
Esta é uma missão que a Escola concretiza muito bem - e muitas vezes sem que os seus principais agentes (os Professores) a reconheçam ou sintam, sequer.

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Por acaso, mas só por acaso, a organização social que a Escola defende, hoje, assenta nos valores e princípios da democracia e do estado de direito. Mas aquela é servida por actores cada vez menos genuínos, que afastam as pessoas da decisão, e este esquece a vertente social, permitindo a perversidade decorrente do aprofundar da desigualdade social, e nada faz para garantir, a todos, o acesso aos bens fundamentais, que suportam a dignidade humana.
A vontade de servir o mundo empresarial é tão forte que até se esquecem da missão de democratizar a democracia e de consciencializar o Estado. A continuar assim, em breve a Escola será a culpada da agonia do sistema (social, político e económico). O que até será verdade ...

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Só mais duas coisinhas:
Nunca esta representação foi tão actual, sendo tão velha:
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E um especial abraço de boas vindas ao Carlos Sambade, na publicação que antecede esta, ainda que chegue pela mão do João. Parece mesmo ComTradição.
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3 comentários:

Anónimo disse...

Faz parte do tempo estranho que hoje - sim, hoje - se vive, o facto de o cardeal alemão, ora Papa, andar pelo Brasil e, no aniversário redondo de Fátima, nem ao menos dizer Olá, tanto mais que se fala português na Aparecida, no Brasil. Tanto mais estranho quanto manda dizer, pelo cardeal Sodano,antes da partida, que, se tiver saúde, vem cá ... num dos próximos anos. Resta-nos rezar para que seja no 100º aniversário de 1917. E depois ainda dizem que o poder está em Bildberg, ou lá o que é - algum estará, mas...
Também é estranho que haja, só em Inglaterra, 70 000 crianças desaparecidas - ouvi bem? Daí que, nas Escolas, seja muito difícil atingir a aurea mediocritas, quanto mais ultrapassá-la. Por falar nisso: conheceis algum dos 35 candidatos aos 5 mil contos?
De que se deve falar? De que se pode falar? O que interessa ouvir? Tanga? Orçamento? Erva? Trezentos e cinquenta Euros, em Badajoz, em Lisboa e no Porto?
No tempo das belas pastagens, ou na África (do tempo) de Roberto Ivens, isso tinho significado lato senso, mas agora....
Ainda hoje ouvi aquela mulata muito rica, americana, dizer que, para a celulite, não há tratamento que a elimine de vez, e que ao homem essa casca não é desagradável (ao que lá chega), ttrre, trre.
Nada disto faria sentido se outras coisas o fizessem mais, com por exemplo, as pedagogias (não) directivas. Não há fregueses? Funde-se a Escola, termo brando que, pronunciado à pressa ou com alguém a puxar-nos os cabelos, dá num som vizinho. Estamos numa fase de transição, não sei para o quê. Anda por aí muito Gorbatchov ou muito Kerensky, ou até o fantasma branco de Miguel de Valconcelos.
Há uma petição, encabeçada por monárquicos, contra a ocupação, de espaço do Panteão Nacional, pelo nome do grande escritor Aquilino Ribeiro, pelo facto de este ter conspirado para matar o rei, em 1908, como se as sucessões dinásticas tivessem, por sua vez, sido obra de anjinhos, sei lá o que digo.
Agora, pergunto eu: isto dá para «estudo acompanhado»? Evidentemente que não. Sueca.
Desde o início deste mês e até antes das férias, sou «professor acompanhante», mas não frequento hotéis, só empresas, e para (não) trabalhar. Isso tem direito a relatório, tudo escritinho, não vá o diabo tecê-las, há exemplos concretos desagradáveis, até de visitas de estudo. Tudo isto é vida, tudo isto é fado. Sei, que, na ausência, sempre relativa, alguém vai dizer: ora cá está, gente da macieira brava.
Preparai os exames a 50% mais um.

O amigo de Xerazade.

Unknown disse...

Ler os teus escritos continua "um gosto".Não pares.

SECRETO disse...

Gostei do artigo, espero outros que lerei com interesse.