Hoje não me apetece falar de educação. Estou num daqueles dias em que prefiro as conversas sobre futilidades. E também acho que neste blog devemos diversificar os temas. Portanto, aqui vai:
O concurso da RTP, “Os Grandes Portugueses” foi uma daquelas coisas que caracteriza bem a qualidade do que as televisões portuguesas emitem. Uma parvoíce completa que nem mereceria comentário caso não lhes tivesse saído “o tiro pela culatra”. Quando resolveram lançar o concurso, provavelmente, estavam longe de pensar que o eleito seria António de Oliveira Salazar. Sim, o tal ditador de que os homens da Revolução de Abril nos salvaram.
Importa esclarecer, desde já, que não coloco validade científica nos resultados finais do concurso. Mas acho curiosa a necessidade de a RTP, em simultâneo aos resultados do concurso, publicar uma sondagem (esta já com validade científica) em que Salazar já não ganha. Já tinham tentado promover outros candidatos, mas sem grandes resultados. Sintomas do enorme embaraço que reina para os lados da Capital, acho!
Bem, mesmo sem validade científica não se pode ignorar, sociologicamente e, mais importante, politicamente, esta vitória de Salazar. Ela é um sinal. Um sinal que não devemos ignorar ou menosprezar porque achamos que este concurso era uma estupidez (e era, repito!). Diria até que é mais um sinal que devemos juntar a outros que têm surgido nesta última década.
Estou a falar do estado do sistema político e dos políticos, em particular.
Salazar foi um ditador. Mas antes foi político. Que pode simbolizar ele de positivo hoje? Como nos sentimos impelidos a votar nele? As respostas a estas perguntas encontram-se por contra-posição aos modelos que temos hoje.
Três exemplos:
Salazar traçou um rumo para o País. E é bom que se diga que as pessoas acreditaram e quiseram esse rumo. Estavam fartas de confusão! Hoje o País caminha ao sabor de duas marés. A de obediência às directivas da UE e de acordo com os interesses ou conveniências dos grandes grupos económicos. O povo, as pessoas, parece que deixaram de ser o objecto número um da acção política. Só se lembram delas quando andam a pedir o voto!
Salazar era simples, austero e rigoroso. Hoje temos dificuldade em encontrar políticos que não usem da prepotência ou da vaidade. Hoje interessa a imagem, não o conteúdo. O que hoje facilmente se diz ou promete, amanhã já não é verdade.
Salazar esteve 40 anos no poder. Rezam as crónicas que a sua família, suas irmãs em particular, durante esse tempo, mantiveram a sua vida simples. Hoje, quando elegemos alguém para o poder, sabemos que atrás está uma fila de colaboradores que durante quatro anos vão ter emprego à nossa custa.
Este estúpido concurso deve ser um pequeno alerta de consciências. Não, não é a democracia que está em discussão. O que está em causa é o modo como a democracia é realizada. O que está em causa são muitos desses que fazem esta democracia. O que está em causa é a credibilidade do sistema. Pensem no que acontecerá se deixarmos de acreditar? Foi assim que Salazar assumiu o governo deste País.
Na sua tomada de posse como Presidente da República, Cavaco Silva, fez este alerta sobre a credibilidade do sistema político. Desde então nada se fez para que o povo volte a acreditar naqueles que elege. E é preciso que se faça porque é o bem-estar das pessoas que deve ser a primeira prioridade dos políticos.
P. S.: Para que não haja dúvidas: eu votei na Padeira de Aljubarrota.
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3 comentários:
Duas achegas: primeira - "as conveniências dos grandes grupos económicos" é o que faz andar o mundo em geral e Portugal em particular (money makes the world go round, como diz a música). Segunda, para reflectir! - será que se repetem as condições para o aparecimento de um novo Salazar, do séc.XXI e enquadrado pela UE (se Portugal ainda aí estiver no final de 2008!)?
Este é o caminho bom e livre - o exercício salutar do verbo. Evidentemente que a vaidade de Salazar tb. existiu - e foi fotografada por aquele inspector da PIDE, culto e carrasco, cujo processo prescresveu, permitindo-lhe acabar os seus dias no microclima de Cascais, nonagenário (não sem que antes tivesse estado várias vezes clandestinamente ao sol em Portugal, tendo mesmo posado para um semanário não pasquim). Parece que Salazar era um D. Juan - e foi pena que nenhuma mulher, quiçá mulata (invenção portuguesa) o tivesse levado, por exemplo, a compreender África no seu tempo (de) novo. Por tudo isto atiro sempre para cima de Portugal com o termo lançado pela geração de 70 XIX: PROCRASTINAÇÃO.
CS (obrigado, João, por estares matematicamente atento e te teres lembrado de mim via net).
Muito bem, mas ... há qualquer coisa neste teu texto que me incomoda. Não é o que dizes, é como o fazes ... suspeito que tens qualquer coisa na manga, que não se percebe ainda. Vou esperar mais uma ou duas publicações. Há aí um fio condutor curioso.
Só mais uma coisinha: também salazar vivia obcecado com o défice. Terá sido mesmo o único (para além dõs japoneses, claro) que conseguiu o feito de, por duas vezes, em momentos muito distintos (separados)equilibrar em absoluto as contas do Estado.
Mas isso tem tanto de interessante quanto de retrógrado: conseguiu gerir um país como um merceeiro geria a venda da terriola, sem investimentos, sem arriscar. Por isso o nosso atraso sistemático, face aos outros países europeus. Por isso o desconforto, a pobreza, a tristeza em que vivíamos. Eu lembro-me, eu senti na pele esses predicados. Agora?? Pois, tens razão, acabo como comecei, muito bem, mas ...
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